Pesquisadores do Inpa identificam nova família de peixe misterioso encontrado há 20 anos
O nome da espécie Tarumania walkerae é uma homenagem ao rio
Tarumã-Mirim, em Manaus-AM, onde foi encontrado pela primeira vez o peixe pela
pesquisadora do Inpa Ilse Walker
Uma nova
família de peixes (Tarumaniidae) de água doce da Amazônia foi identificada por
pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC). O
animal, que há mais de 20 anos foi descoberto e intrigava os estudiosos, ficou
conhecido na época como “mistery fish”, pois não se conseguia atribuir ao peixe
um nome científico, já que o bicho não se encaixava em nenhuma das famílias
conhecidas de peixes de água doce.
O estudo
foi publicado recentemente no Zoological Journal of the Society. A pesquisa foi
realizada pelos pesquisadores do Inpa, os ictiólogos Lucia Rapp Py-Daniel e
Jansen Zuanon; pelo pesquisador do Museu de Zoologia da Universidade de São
Paulo (USP), Mario de Pinna; e pelo pesquisador da Organização Internacional de
Conservação Ambiental The Nature Conservancy (EUA), Paulo Petry (ex-pesquisador
do Inpa).
Na
pesquisa foi estabelecido um novo nome de gênero, Tarumania, espécie, Tarumania
walkarae, e uma nova família, Tarumaniidae, conforme as normas de nomenclaturas
de nomes científicos zoológicos. Tarumania walkerae é o nome dado a espécie em
homenagem a pesquisadora do Inpa, a doutora Ilse Walker, pela sua contribuição
na investigação da estrutura populacional e trófica da fauna aquática em rios
da Bacia do Rio Negro e por ter coletado, em 1997, o primeiro espécime conhecido.
Tarumania
walkarae é um pequeno peixe, predador que se alimenta de pequenos camarões e
peixes menores, de hábitos fossoriais, que habita áreas de folhiço e é
encontrado enterrado em poças isoladas durante a vazante do rio Negro. Durante
a seca, quando as poças já não existem, o peixe desaparece.
Características
A
pesquisa revela que este peixe exibe um conjunto extraordinário de
características únicas, que o separa de todos os outros peixes ósseos
conhecidos. É um peixe de corpo alongado e coloração escura (marrom) uniforme.
Ele alcança até 15 cm de comprimento e precisa de ar para viver, possuindo uma
bexiga natatória com 11 câmaras (o normal na maioria dos peixes são duas
câmaras), mais de 240 escamas muito pequenas no corpo e escamas reversas na
cabeça.
O peixe
apresenta ainda uma série de características ósseas muito distintas, como
crânio parcialmente exposto, mobilidade vertical da cabeça e modificações nas
nadadeiras e mandíbulas. Tarumania apresenta caracteres pedomórficos
(características larvais em exemplares juvenis), tipo presença de notocorda e
nadadeiras lobulares em exemplares de até 5 cm. “É um dos raros casos de peixe
com escamas com hábitos fossoriais, se enterrando em vez de ficar na coluna
d’agua”, conta Lúcia Rapp.
Apesar de
tão distinto, análises mais detalhadas revelaram ainda que Tarumania faz parte
da superfamília Erythrinoidea e tem como grupo evolutivo mais proximo, a
família Erythrinidae (jejus e traíras).
Para os
autores do artigo, o fato de um peixe relativamente grande e extremamente
diferenciado como o Tarumania permanecer desconhecido até agora, após muitas
décadas de estudos da ictiofauna do rio Negro, é um “testemunho do estado ainda
incompleto do conhecimento da biodiversidade nas águas amazônicas”.
De acordo
com o pesquisador Jansen Zuanon, descrever novas espéceis na Amazônia é muito
comum, mas descrever uma família toda nova é bem raro. “Isso acontece uma vez a
cada muitas décadas, às vezes a cada século”, conta.
Para
Zuanon, o mais importante nesse caso, nem é tanto o fato de ser uma nova
família, mas por ser tão diferente dos outros peixes aparentados com ele que
mostra que o caminho da evolução desse grupo é muito mais amplo do que se
imaginava.
Segundo o
pesquisador, o peixe faz parte do grupo dos Characiformes, que é o grupo da
maior parte dos peixes de escamas da Amazônia como o matrinxã, o tambaqui e o
jaraqui, só que tem um formato completamente diferente desses peixes, tanto por
fora quanto por dentro.
“Isso
mostra que os Characiformes evoluíram de maneira brutal com uma diversidade de
adaptações para o ambiente que ainda não conhecemos direito”, diz Zuanon,
acrescentando que o que mais chama atenção nesse peixe é o formato do corpo por
dentro (anatomia) e por fora (morfologia). “Eles são completamente aberrantes
dentro desse grupo de Characiformes e por isso mesmo tivemos que descrever uma
família nova para acomodar essa espécie”.
História
A
pesquisadora Lucia Rapp explica que o primeiro registro desse peixe foi
realizado no Tarumã-mirim, em 1997, pela pesquisadora Ilse Walker. “Tratava-se
de um indivíduo jovem, muito pequeno e diferente, que os pesquisadores não
conseguiram identificar o animal, na época”, diz. Segundo Rapp, anos depois, o
cientista Jansen Zuanon conseguiu coletar, durante um trabalho de campo, em
Anavilhanas, próximo ao município de Novo Airão, mais exemplares.
Isso
chamou a atenção dos pesquisadores que resolveram voltar ao mesmo local onde
foi realizada a primeira coleta de Walker, no Tarumã-mirim. Os pesquisadores
Lucia Rapp, Jansen Zuanon e Mario de Pinna acharam o peixe em poças alagadas no
meio da mata. Na ocasião foram coletados cerca de 40 animais.
O que
mais chama atenção dos estudiosos é o fato de um animal como este nunca tenha
sido encontrado. Segundo a pesquisadora, o Inpa tem uma Coleção de Peixes que
abriga milhares de espécimes e esse animal nunca foi coletado em lugar nenhum.
“Então, isso chamou a atenção para a possível diversidade crítica, escondida,
que ainda existe na Amazônia, e num só tributário do rio Negro, no
Tarumã-mirim”, explica a pesquisadora ao acrescentar que pode ser que tenha
outras situações como essa na Amazônia e que ainda são desconhecidas.
“Depois
de tantos anos de coleta aparece um bicho tão diferente e não tínhamos ideia
que existia. Isso já deixou a gente de ‘orelha em pé’. O que será ainda que
podemos encontrar por aí?”, conta empolgada a pesquisadora. “Esse bicho é tão
espetacular, tão diferente. É um peixe fossorial que fica enterrado no solo
quando seca e deve entrar no lençol freático de alguma maneira para procurar
água. É muito interessante e vale a pena estudar um peixe com comportamento tão
distinto”, revela.
Os
próximos passos nas pesquisas com Tarumania envolverão estudos para entender as
relações evolutivas deste peixe com os demais, conhecer melhor o seu
comportamento e quem sabe ver se ele ocorre em outras drenagens. “Tarumania
ainda pode proporcionar um grande número de novidades para os estudiosos em
biologia dos peixes amazônicos”, conta Rapp.
Cursiosidades
O peixe
apresenta vários diferenciais. Tudo que ele tem, em certas estruturas, é em
grande número, a exemplo da grande quantidade de escamas. Seegundo Lucia Rapp,
os peixes amazônicos chegam a ter de 110 a 120 escamas e Tarumania walkarae
possuimais de 240. O bicho tem uma “coisa esquista” na cabeça, onde parte do
crânio é exposto e não é coberta por pele. Apresenta característica de larva de
um tamanho grande. Tem uma bexiga natatória com 11 câmaras, ao invés de duas
câmaras como na maioria dos peixes
A bexiga
natatória é um órgão que fica dentro da barriga dos peixes e que serve para
flutuação ou que pode ser modificada para respiração. No pirarucu, na pirambóia
e outros peixes, a bexiga natatória é modificada para o pulmão. Na maioria dos
peixes, serve como órgão hidroestático, o que permite ao peixe controlar sua
flutuabilidade em diferentes profundidades.
“Nesse
bicho, como há 11 câmaras, não sabemos direito qual a função dessa bexiga com
tantas câmaras. Mas como ele tem necessidade de vir à superfície pegar ar, pode
ser que isto esteja relacionado”, explica Rapp. “conhecemos muito pouco da
biologia desse peixe. Só vimos que morfologicamente ele é muito diferente. É um
bicho espetacular, inclusive as estrutras internas ósseas dele também são
diferentes”, diz empolgada a pesquisadora.
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Fonte:
Inpa