Vagalumes iluminam cavernas e cupinzeiros na Amazônia para atrair presas
Elton Alisson | Agência FAPESP – Em regiões no Cerrado
brasileiro, como no Parque Nacional das Emas, em Goiás (GO), é possível observar
durante noites quentes e úmidas na primavera um fenômeno, chamado de
“cupinzeiros luminosos”, em que ninhos de cupins irradiam uma luz esverdeada
intensa.
A luz é emitida por
larvas de vagalumes da espécie Pyrearinus termitilluminans, que expõem seus
tórax luminescentes sobre a superfície dos cupinzeiros a fim de atrair insetos
voadores para se tornarem suas presas.
Um grupo de
pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de
Sorocaba, constatou que esses cupinzeiros luminosos também ocorrem no interior
da floresta amazônica.
Os pesquisadores
também observaram a existência de larvas de vagalumes dentro de cavernas de
argila na Amazônia, que exibem luminescência semelhante e com a mesma função
das que colonizam os cupinzeiros luminosos.
As descobertas,
feitas por meio de projetos apoiados pela FAPESP, foram
descritas em um artigo publicado na Annals of the Entomological Society of
America.
“Até então só havia
relatos de bioluminescência [emissão de luz fria e visível por organismos
vivos] em cavernas na Nova Zelândia e na Austrália, onde larvas de uma
espécie de mosquito luminescente constroem teias no teto de grutas”, disse
Vadim Viviani, professor da UFSCar e coordenador do estudo, à Agência FAPESP.
“É a primeira vez
que é relatada a ocorrência de larvas luminescentes de vagalumes no interior de
cavernas no mundo”, disse Viviani, que acabou de ser eleito o novo presidente
da International Society for Bioluminescence and Chemiluminescence (ISBC)
durante o último simpósio anual da entidade, realizado entre os dias 29 de maio
e 2 de junho em Tsukuba, no Japão.
De acordo com o
pesquisador, havia relatos ocasionais da existência de cupinzeiros luminosos na
floresta amazônica e em outros locais da América do Sul, mas esses casos nunca
foram investigados.
A fim de certificar
a veracidade desses relatos, os pesquisadores começaram a realizar, a partir de
2009, expedições de observação na Amazônia, iniciando por uma região de
transição do Cerrado para a floresta amazônica, ao longo do rio Araguaia, até
chegar ao norte de Tocantins.
Em seguida, eles
visitaram o lado noroeste do estado de Mato Grosso, ao longo do rio Juruena. E,
finalmente, foram ao interior do estado do Pará, na cidade de Canaã de Carajás,
em razão de informações que obtiveram da pesquisadora Cleide Costa, do Museu de
Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), de relatos de geólogos sobre a
ocorrência de larvas bioluminescentes em cavernas argilosas na Floresta
Nacional de Carajás.
Durante essas
viagens, os pesquisadores constataram a existência de cupinzeiros luminosos,
habitados por larvas luminescentes de vagalumes das espécies Pyrearinus
fragilis e Pyrearinus termitilluminans, em três localidades
diferentes no interior da floresta amazônica – nos municípios de Caseara, no
Tocantins, Canaã dos Carajás, no Pará, e Juruena, no Mato Grosso – e na cidade
de Novo Santo Antônio, no Mato Grosso, situada em uma área de Cerrado.
Além disso, também
confirmaram a presença de larvas luminescentes de vagalumes da espécie Pyrearinus
pumilus no interior de cavernas argilosas e com solo rico em ferro –
chamadas de canga – na Floresta Nacional de Carajás.
“Observamos que as
larvas luminescentes de vagalumes encontradas nas cavernas argilosas emitem luz
muito provavelmente com a função de atrair insetos voadores para servirem de
presas, como fazem as larvas de vagalumes que ocorrem em cupinzeiros luminosos
no Cerrado e os mosquitos da espécie Arachnocampa luminosa que povoam
cavernas na Nova Zelândia”, comparou Viviani.
Fontes de alimentos
De acordo com o
pesquisador, ainda não há uma explicação definitiva sobre a origem evolutiva da
colonização dos cupinzeiros ou do interior de cavernas por vagalumes.
O que se sabe é que
vagalumes adultos colocam ovos na base dos cupinzeiros e no interior de
cavernas e que, ao eclodir, dão origem a centenas de larvas luminescentes que
transformam esses ambientes em seus habitats.
A explicação mais
provável, contudo, é que como as larvas de outras espécies do gênero Pyrearinus
são normalmente encontradas em troncos em decomposição ou no solo e são
carnívoras, a associação com cupinzeiro foi uma adaptação vantajosa, pois esses
lugares são ricos em cupins e outros insetos pequenos que lhes servem de
alimento.
“Nossa hipótese é
que as larvas de vagalumes desde cedo se associaram a locais onde havia madeira
em decomposição e, consequentemente, tinha cupins. Mais tarde, adaptaram-se aos
cupinzeiros situados dentro de ambientes florestais, no interior da floresta
amazônica”, estimou.
“É provável que a
substituição de áreas de floresta por Cerrado, devido às mudanças climáticas,
pode ter resultado na adaptação das larvas de vagalumes a ambientes abertos,
onde passaram a exibir uma bioluminescência mais intensa para atrair insetos
voadores de lugares mais distantes”, explicou.
Já a adaptação a
cavernas pode ter acontecido porque, a exemplo dos cupinzeiros, esses ambientes
também têm mosquitos e outros insetos pequenos que se desenvolvem no interior
das cavernas ou entram nelas acidentalmente, e que podem servir de alimento às
larvas de vagalumes, especula Viviani.
“Em algum momento,
essas larvas devem ter se adaptado aos túneis das cavernas de canga, em
Carajás, que estima-se que foram formadas por tatus gigantes que entraram em
extinção”, disse o pesquisador.
Os pesquisadores
fizeram uma análise filogenética molecular preliminar – da relação evolutiva –
das larvas luminescentes de vagalumes encontradas nos cupinzeiros e nas
cavernas de canga no interior da floresta amazônica.
Os resultados das
análises, juntamente com dados ecológicos, indicaram que, além da espécie Pyrearinus
fragilis, que habita exclusivamente florestas, existem duas linhagens
distintas da espécie de vagalumes Pyrearinus termitilluminans que estão
adaptadas para cupinzeiros de Cerrado e de floresta.
A espécie Pyrearinus
termitilluminans, por exemplo, foi encontrada em cupinzeiros localizados no
Parque Nacional das Emas, em Goiás, e na zona de transição do Cerrado para a
Amazônia.
Já a Pyrearinus
fragilis foi identificada em cupinzeiros localizados dentro da floresta
amazônica. E a Pyrearinus pumilus localizada no interior das cavernas de
canga em Carajás, no Pará.
Todas essas espécies
de vagalumes Pyrearinus pertencem ao grupo pumilus. “Essas espécies de
vagalumes Pyrearinus do grupo pumilus compartilham de um ancestral comum
que se associou a áreas ricas em matéria orgânica, preferencialmente com
cupins. Algumas espécies acabaram por se adaptar a cupinzeiros e outras a
cavernas”, resumiu Viviani.
Banquete de insetos
Segundo o
pesquisador, a intensidade da luminescência esverdeada emitida pelas larvas de
vagalumes luminescentes encontradas nas cavernas de canga aparentemente é mais
fraca do que a de seus parentes próximos, encontrados em cupinzeiros
superficiais que, no Cerrado, podem atingir 1,7 metro (m).
Ao contrário dos
vagalumes lampirídeos, que geralmente ocorrem em campo aberto e emitem flashes
intensos de luz, as larvas luminescente de vagalumes encontradas em cupinzeiros
e em cavernas argilosas – que pertencem à família dos elaterídeos, conhecidos
popularmente como vagalumes tec-tec ou salta-martins – emitem luz muito intensa
e contínua, comparou Viviani.
“Além de maior
intensidade intermediária, a luz emitida pelas larvas luminescentes de
vagalumes elaterídeos de cupinzeiros e de cavernas é mantida por um tempo muito
prolongado”, afirmou.
As larvas de
vagalumes de cupinzeiros começam a emitir luz – que é a mais esverdeada entre
todos os besouros – no final do entardecer, quando o Sol se põe, e continuam
durante as primeiras horas da noite, relatou o pesquisador.
Além da vantagem
para si próprias de emitir luz para atrair insetos voadores, as larvas
bioluminescentes de vagalumes também acabam por beneficiar todo o microecossistema
de um cupinzeiro, por exemplo, e de seus arredores, apontou o pesquisador,
conforme já havia sido observado por Etelvino Bechara, pesquisador do Instituto
de Química da USP, e Cleide Costa, do MZUSP, com cupinzeiros de Cerrado na
década de 1980.
Ao emitir luz, as
larvas bioluminescentes de vagalumes também atraem outros animais, como
aranhas, sapos e aves, que se beneficiam do banquete de cupins e outros insetos
pequenos atraídos pelas pequenas luzes brilhantes.
Posteriormente, os
excrementos produzidos pelos animais que se fartaram do banquete de insetos
ajudam a fertilizar o solo ao redor do cupinzeiro, que normalmente exibe uma
flora mais rica que a dos arredores, disse Viviani.
“Dentro das
florestas os cupinzeiros já estão em um ambiente bastante rico em matéria
orgânica, onde tem muitas folhas caídas. Mas certamente a atração de presas
pelas larvas luminescentes de vagalumes enriquece ainda mais o ambiente em
volta do cupinzeiro, criando um microecossistema”, estimou.
Aplicações biotecnológicas
Além do ecossistema,
a bioluminescência apresentada por essas espécies de vagalumes que habitam
cupinzeiros e cavernas também pode trazer benefícios para a sociedade por meio
de enzimas luminescentes (luciferases) e seus substratos (luciferina) que são
amplamente utilizados como reagentes bioanalíticos e marcadores celulares em
biossensores de poluição e prospecção de drogas anticancerígenas e
antibióticos, entre uma vastíssima gama de outras aplicações, apontou o
pesquisador.
O grupo de pesquisa
liderado por ele na UFSCar é especializado em estudos bioquímicos sobre a
estrutura molecular e a função das enzimas luciferases (responsável pela
emissão de luz) de vagalumes, sendo um dos líderes mundiais nesta área.
A clonagem e a
modificação feitas Viviani de uma enzima luciferase de larvas luminescentes de
vagalumes colonizadoras de cupinzeiros no Cerrado – que apresenta a
bioluminescência mais azul e mais eficiente entre as luciferases de besouros –
resultaram no desenvolvimento de um marcador de células de mamíferos por um
grupo de pesquisadores no Japão com os quais colabora.
Várias outras
luciferases de besouros clonadas pelo grupo também estão atualmente sendo
testadas para o desenvolvimento de biossensores e marcadores celulares pelo
grupo do pesquisador na UFSCar.
No último simpósio
anual da International Society for Bioluminescence and Chemiluminescence
(ISBC), a estudante Gabriele Verônica de Mello Gabriel, que atualmente faz
doutorado sob orientação de Viviani e um estágio de pesquisa no National
Institute of Advanced Industrial Science and Technology em Tsukuba, no Japão,
com Bolsa da FAPESP, obteve uma menção
honrosa por sua pesquisa com biossensores luminescentes de pH e metais pesados
que mudam de cor de acordo com esses fatores.
“É muito importante
estudarmos a biodiversidade de vagalumes porque, além de serem bioindicadores
de qualidade ambiental como áreas palustres [pantanosas], cursos de água
e florestas, cada espécie apresenta luminescência com características
diferentes, como a cor e o tipo de emissão da luz, que também podem ter
aplicações biotecnológicas, biomédicas e ambientais diferentes”, afirmou
Viviani.
O artigo “First
report of Pyrearinus larvae (Coleoptera: Elateridae) in clayish canga caves and
luminous termite mounds in the amazon forest with a preliminary molecular-based
phylogenetic analysis of the P. pumilus group” (doi: 10.1093/aesa/saw002),
de Viviani e Amaral, publicado na Annals of the Entomological Society of America,
pode ser lido por assinantes da revista em http://aesa.oxfordjournals.org/content/early/2016/05/30/aesa.saw002/.
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