Conter o desmatamento não garante a biodiversidade da Amazônia, diz estudo



O sucesso de políticas públicas depende de controlar o impacto de outras ações humanas que tornam vulneráveis as matas
BELÉM - Conter o desmatamento é primordial, mas não é suficiente para a conservação das florestas tropicais indica a nova contribuição dos pesquisadores da Rede Amazônia Sustentável – RAS, vinculada ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia. O sucesso de políticas públicas depende também de controlar o impacto de outras ações humanas que tornam vulneráveis as matas remanescentes, como a exploração madeireira ilegal, incêndios e a fragmentação de áreas florestais. Essa conclusão está na mais nova edição de um dos mais importantes periódicos científicos internacionais - a revista Nature.
Tendo como autor principal o ecólogo Jos Barlow (Universidade de Lancaster, pesquisador do INCT e do Museu Goeldi), o estudo ‘Anthropogenic disturbance can be as important as deforestation in driving tropical biodiversity loss’ reuniu pesquisadores de 18 instituições, dentre as quais 11 brasileiras, para avaliar a relação e importância de perturbações no interior e na borda da floresta e o desflorestamento para a perda de biodiversidade.
A região focal do estudo é o leste da Amazônia brasileira, onde a ação humana nas últimas décadas foi responsável pelo maior índice de perda da cobertura florestal e de espécies da região amazônica. A paisagem é marcada por fragmentos florestais em meio a uma diversidade de diferentes usos da terra.
Os autores do artigo mediram o impacto geral das perturbações florestais mais comuns – o que inclui a exploração madeireira, os incêndios e a fragmentação de florestas remanescentes – em 1.538 espécies de árvores, 460 de aves e 156 de besouros encontrados em 36 bacias hidrográficas na Amazônia paraense. E o resultado questiona as estratégias de conservação adotadas pelo governo brasileiro, que centra o foco no combate ao desflorestamento: os cientistas demonstraram que, para a floresta tropical, os efeitos das perturbações causadas pelo fogo, extração de madeira e a fragmentação das matas resultam em perda de biodiversidade tão ostensiva quanto à causada pelo desmatamento.
O estudo cobre uma lacuna de informação até então existente para a ciência. Uma das principais pesquisadoras do projeto, Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental aponta: “Conseguimos oferecer evidências convincentes de que as iniciativas de conservação amazônica precisam considerar os efeitos combinados das perturbações florestais e o desmatamento. Sem ações urgentes, a expansão da exploração ilegal de madeira e a ocorrência cada vez maior de incêndios causados pelo homem irão resultar em áreas de florestas tropicais cada vez mais degradadas, conservando apenas uma pequena fração da exuberante diversidade que já abrigaram”.
Quando analisado em conjunto, o efeito das atividades humanas resultantes em perturbações florestais no Pará é equivalente a uma perda adicional de mais de 139.000 km2 de floresta intacta e correspondente a todo o desmatamento detectado no estado desde 1988, ano que inaugurou o monitoramento oficial do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE.
Pesquisador do INPE e também um dos autores do artigo, Luiz Aragão, destaca: “O Brasil conseguiu reduzir seu desmatamento em cerca de 80% como resultado de seu Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Contudo, demonstramos neste estudo que ainda precisamos, urgentemente, de um planejamento governamental orquestrado para quantificar a extensão e impactos da degradação florestal se quisermos resguardar nossa biodiversidade, estoques de carbono e serviços ecossistêmicos".
Ao analisar as estratégias predominantes de conservação ambiental, o pesquisador senior do projeto, Toby Gardner, do Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI), é enfático: “As florestas tropicais são um dos mais valiosos tesouros biológicos do planeta. Ao focar exclusivamente nas extensões de floresta remanescentes, sem levar em conta o estado de saúde dessas áreas, as atuais iniciativas de conservação estão colocando em perigo tal riqueza”.
Espécies raras são as mais ameaçadas - Os cientistas também descobriram que espécies sob o risco máximo de extinção foram as mais atingidas pelas perturbações causadas por atividade humana.
Ima Vieira, pesquisadora titular do Museu Goeldi, coordenadora do INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia e uma das autoras do artigo, exemplifica: “O estado do Pará abriga mais de 10% das espécies de aves do planeta, muitas das quais endêmicas. Nossos estudos demonstram que são justamente estas espécies as que estão sofrendo o maior impacto da ação antrópica, pois elas não sobrevivem em ambientes com estes níveis de perturbação”.
Para Ima, os dados ilustram a necessidade da atenção especial quanto às estratégias de conservação e restauração de florestas. “Situado integralmente no bioma amazônico, o Pará é o estado na região que mantém a maior infraestrutura urbana, viária, agropecuária e de exploração mineral, projetos que promovem grande impacto na paisagem, ameaçam a biodiversidade e às formas tradicionais de produção”, pondera Vieira.
É preciso ir além do combate ao desmatamento - A redução do desmatamento é acertadamente o principal foco da maioria das estratégias de conservação em nações tropicais, contudo a condição das florestas remanescentes precisa ser avaliada ou mesmo controlada por políticas públicas.
“Ações imediatas são necessárias para combater as perturbações florestais em países tropicais”, explica Silvio Ferraz, da Universidade de São Paulo (USP). “No caso do Brasil, a situação é ainda mais crítica, já que 40% dos remanescentes de florestas tropicais da Terra se encontram aqui”, completa o pesquisador, que integrou a equipe do estudo. Ainda que donos de terras na Amazônia brasileira sejam obrigados por lei a manter 80% da cobertura primária em suas propriedades, a nova pesquisa demonstra que, em paisagens nas quais a lei é cumprida, a metade do valor potencial de conservação já pode ter sido perdida.
“Estes resultados devem servir de alerta para a comunidade global”, afirma Jos Barlow, o principal autor do estudo. “O Brasil demonstrou uma liderança sem precedentes no combate ao desmatamento na última década. O mesmo nível de liderança é necessário agora para proteger a saúde das florestas restantes nos trópicos. Do contrário, décadas de esforço de conservação terão sido em vão”.
A Rede Amazônia Sustentável (RAS) é um consórcio de instituições brasileiras e estrangeiras, coordenado pela Embrapa Amazônia Oriental, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade de Lancaster (Reino Unido) e Instituto Ambiental de Estocolmo (Suécia). A RAS faz parte do INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia, financiado pelo CNPQ.
O INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia está sediado no Museu Goeldi e tem como propósito gerar informações e abordagens inéditas sobre como intensificar as oportunidades de conservação ambiental na região mais antropizada da Amazônia Brasileira, visando subsidiar os atores responsáveis pela gestão regional com dados técnico-científicos de excelência na escolha de alternativas para problemas socioambientais no presente e no entendimento de possíveis cenários futuros.
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