O preço da água


José Reis e família. Foto: Danilo Ramos/Agência Pública/Instituto Alana


A água, tão central na cultura amazônica, tem se transformado em um bem caro e até mesmo perigoso em São João do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Xinguara, no sudeste do Pará. O líquido que chega às torneiras das casas está sob a responsabilidade da Odebrecht Ambiental, que detém as concessões do serviço de abastecimento nas três cidades e em outros sete municípios paraenses. Moradores de baixa renda, que precisam do Bolsa Família para sobreviver, têm sentido dificuldade para pagar as contas todo mês. Também existem reclamações de que a empresa usa cloro em excesso no tratamento, o que traz mal-estar às crianças.
Alguns pais enfrentam o dilema entre deixar as contas em dia ou manter a família, o que pode resultar em cortes até na alimentação. Há moradores que viram a fatura alcançar metade do orçamento, chegando a valores próximos de R$ 200. Nos três municípios, 4.107 pessoas vivem com até um quarto do salário mínimo por mês (o equivalente a R$ 197), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A saída é gerenciar a economia doméstica, em uma eterna corda bamba, que onera sobretudo as crianças.
Muitos recorrem a fontes alternativas de água, como poços artesianos e rios da região, que podem estar contaminados. Isso expõe as crianças ao risco de ter diarreia e doenças como febre tifoide, hepatite A e parasitoses. “A tarifa da água aperta demais o orçamento. Muitas vezes tive que deixar de comprar coisas para as meninas, como comida ou material de escola. Houve meses em que tive que pedir dinheiro para a minha sogra para colocar comida na mesa”, afirma a dona de casa Ana Carolina Dias Palone, de Xinguara, que tem duas filhas, de 5 e 7 anos. “Muitas vezes tenho que deixar uma conta pendente para o próximo mês, para dar tempo de sobrar um dinheirinho e conseguir comprar o que elas precisam comer.”
Os valores das tarifas de água foram definidos pelas prefeituras e pelas empresas nos contratos de concessão. Os moradores, principais afetados pela mudança, tiveram oportunidades restritas de participar da definição dos preços. “Não há no Pará uma agência reguladora que discuta com a prefeitura e com a população os valores. Eu, daqui, tenho que garantir que minha empresa continue funcionando. Somos uma companhia privada e visamos ao lucro. Não adianta ser hipócrita”, diz uma das engenheiras da empresa, que teve a identidade preservada.
Cada município atendido pela Odebrecht Ambiental possui obrigações específicas, descritas no respectivo plano de água e esgoto. “A região amazônica tem minério, terra, água. Tudo isso. As empresas vêm com a intenção de se apropriar da água e do bem público. A lógica da Odebrecht é mercantilizar a água, torná-la mercadoria”, afirma Cristiano Medina, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A empresa ressaltou, via assessoria de imprensa, que, pelo modelo de concessão adotado nos municípios paraenses, assume a operação sob supervisão da prefeitura e deve assegurar investimentos e prestação de serviços. Após 30 anos, as benfeitorias implantadas ficarão com os municípios.
Empresas públicas e privadas de saneamento têm as mesmas obrigações, previstas nos planos diretores das cidades onde atuam. “A diferença principal é que as empresas privadas veem na água uma forma de obter lucro, enquanto as estatais têm o objetivo de desenvolver a região e prestar um serviço de saúde. Assim, uma empresa estatal pode reduzir as tarifas ou subsidiar regiões pobres sem aumentar os preços para as outras pessoas. Já a empresa privada terá que cobrar mais caro de alguém para garantir seu lucro”, exemplifica o diretor regional do Sindicato dos Urbanitários do Pará, Otávio Barbosa.
‘Compro comida ou pago água?’
A notícia da chegada de duas pessoas de São Paulo correu depressa na zona rural do pequeno município de São João do Araguaia. Famílias inteiras saíam de suas casas de madeira, ultrapassavam o quintal de terra batida e esperavam junto às cercas de madeira ou arame farpado, em um modelo de construção quase padronizado no local. Nas mãos, tinham as contas de água dos últimos meses, anexas aos avisos de corte do abastecimento. No rosto, uma clara esperança de resolver o problema que tira o sono – e sustento – de crianças e adultos da cidade: o valor a ser pago pela água.
“Não… Nós não somos da Odebrecht. Eu sou repórter e ele é fotógrafo.” A apresentação decepcionava aqueles que aguardavam uma resposta para o problema. Nas pequenas residências com banheiros inacabados, repletas de crianças e com sustento vindo basicamente do Bolsa Família, os valores das contas de água atingem parte significativa do orçamento familiar. “Minha conta vem por volta de R$ 18, porque nunca ultrapassei a primeira faixa de consumo. O valor pode parecer baixo, mas, para mim, que sustento a casa com R$ 200, é muito. A gente acaba tendo que tirar dinheiro do Bolsa Família para pagar a água e esse era um dinheiro que deveria ser para a comida das crianças”, conta a dona de casa Ednalda Moreira Gomes, que vive com o marido e dois filhos, de 10 e 13 anos.
Desempregado, o trabalhador rural José Reis recebeu em setembro uma conta de água de R$ 48,03 para um consumo de 26 metros cúbicos. Ele mora em uma casa de três cômodos, sem banheiro, com a esposa e mais três filhas. “Antes nós não pagávamos nada pela água. Agora, começamos a pagar e nem fomos consultados sobre o preço que pagaríamos. Ficou caro. Muitas vezes tiro dinheiro da merenda das minhas meninas para dar conta desse gasto”, lamenta. Ele aguarda uma vistoria da empresa para verificar a existência de vazamentos. “Está muito pesado para a gente que vive desempregado. Estou sem pagar, porque não tenho condições. O dinheiro que recebemos do Bolsa Família vai todo para comida e material escolar. Eu não posso mexer nisso.”
Por: Sarah Fernandes Fonte: Agência Pública
Essa matéria é resultado do concurso de microbolsas para reportagens investigativas sobre Crianças e Água promovido pelo projeto Prioridade Absoluta do Instituto Alana em parceria com a Agência Pública.
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15 de novembro de 2015


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