Arqueologia mostra outros modos de explorar a Amazônia
Professor da USP explica como a pesquisa pode trazer
benefícios socioambientais para a região.
Por Maria Carolina Gonçalves“Uma vez que as pessoas têm se mostrado incapazes de ocupar a Amazônia de forma sustentável, seria interessante olhar para experiências passadas”. É o que pensa o professor e pesquisador do MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia da USP) Eduardo Góes Neves, em referência a usos que predominavam antes da chegada do homem branco ao Brasil.
Não que ele acredite na possibilidade de a arqueologia trazer alguma espécie de salvação, mas entende que algumas práticas que pertencem à tradição indígena podem se transformar em novas ideias para o uso sustentável dos recursos amazônicos
professor, formado em História pela USP e doutor em Arqueologia pela Universidade de Indiana, Estados Unidos , já teve muito contato com a Amazônia. Ele foi consultor para a implementação do Curso Superior de Tecnologia em Arqueologia da Universidade do Estado do Amazonas e hoje realiza pesquisa e orienta trabalhos acadêmicos na Amazônia brasileira.
O acadêmico explica que a sustentabilidade é um fator crítico na região. A agricultura, por exemplo, apesar de gerar renda, nem sempre é feita de forma sustentável. Em muitos casos, ela pode ser prejudicial, tanto desmatando a floresta quanto empregando trabalhadores sem as devidas condições.
Nos trabalhos arqueológicos desenvolvidos na região, há uma grande preocupação com as consequências para os moradores mais próximos de onde a pesquisa é realizada. Há preocupação também com o meio ambiente e as modificações que poderão ser causadas. Num dos trabalhos desenvolvidos por Eduardo Neves, pessoas da comunidade local foram englobadas na pesquisa arqueológica, o que gerou resultados acima do esperado. O professor conta que algumas dessas pessoas começaram pilotando barco e hoje são formados como técnicos em arqueologia. A Petrobrás chegou a contratá-los para um trabalho na região, com carteira assinada. Com a renda, puderam adquirir bens e novas oportunidades.
Muitas leis, poucos pesquisadores
O pesquisador explica ainda que o Brasil possui uma boa legislação ambiental e patrimonial. “Temos leis federais que dizem que qualquer obra que vá gerar um impacto sobre o patrimônio arqueológico deve ser precedida de pesquisas prévias”, diz.
Mas, se por um lado o país possui leis suficientes, a quantidade de arqueólogos é insuficiente. “Sempre tivemos pouca gente trabalhando na região amazônica, fazendo arqueologia”, afirma Eduardo Neves. Ele acredita que muito mais poderia ser produzido, no que diz respeito à pesquisa, se houvesse mais arqueólogos. E muito mais ações poderiam ser executadas considerando a conservação do meio ambiente na região.
Riqueza brasileira
Apesar de serem relutantes em aceitar que outras pessoas estudem o local e retirem material, por temerem danos materiais às suas tradições culturais (como, por exemplo, quando um pesquisador acaba interferindo num ritual), os povos indígenas possuem alguns dos elementos mais significativos do patrimônio arqueológico brasileiro, como cerâmicas antigas e objetos centenários.
A Amazônia é internacionalmente conhecida pela sua biodiversidade. A região contém não somente uma grande riqueza vegetal mas também uma rica diversidade cultural. Os estudiosos da arqueologia e da antropologia vão além. Eduardo Neves ressalta que basta olhar para a quantidade de línguas faladas na Amazônia, que está entre as maiores do planeta, para perceber a diversidade cultural da região.
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Labóratório de Arqueologia dos
Trópicos
Lições ambientais escavadas
no passado da Amazônia – O Globo
Entrevista
Eduardo Neves - Professor
do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade
de São Paulo (USP)
Em um momento de dúvidas sobre a melhor maneira de
encontrar uma harmonia entre o desenvolvimento econômico e a proteção ao Meio
Ambiente, a solução pode vir do passado. Assim afirma o arqueólogo Eduardo
Neves, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São
Paulo (USP). O pesquisador estuda, há mais de 20 anos, a complexidade das
sociedades indígenas que viviam na Amazônia antes mesmo da chegada dos
portugueses. Em revistas e canais voltados à Ciência fora do país ,
o brasileiro já foi tema de inúmeras reportagens e também de documentários. No
Brasil, onde nasceu, ainda é pouco conhecido. Seu trabalho não é pequeno. Mais
de 200 sítios arqueológicos no Brasil já foram descobertos por Neves. Nesta entrevista,
o arqueólogo fala sobre a diversidade biológica da Amazônia e a complexidade
das civilizações que ali viveram no passado. Para ele, variedade oposta ao que
é proposto hoje, citando a monocultura, criação extensiva de gado, geração de
energia e exploração mineral com grandes impactos ambientais.
Em que consiste o trabalho arqueológico na Bacia
Amazônica?
- Há no novo mundo, em linhas
gerais, dois tipos de arqueologia: arqueologia pré-colonial (ou
“pré-histórica”, um termo um pouco anacrônico), que trabalha com os períodos
anteriores ao início da colonização europeia, e a arqueologia histórica, que
trabalha com os períodos posteriores ao início da colonização europeia. A
arqueologia pré-colonial é a melhor fonte de informações que temos para
entender a história dos povos indígenas que aqui viviam antes da chegada dos
europeus. Assim, de maneira bem simples, a arqueologia pré-colonial americana
pode ser definida como a história antiga dos povos indígenas que habitavam o
continente. No caso daAmazônia, onde ainda é grande a população indígena, ao
menos em termos comparativos com outras partes do Brasil, a arqueologia tem
tido também um outro foco que é o entendimento da história milenar de
relacionamento entre os antigos povos indígenas da região e os ambientes da
floresta tropical equatorial.
Por que o senhor decidiu estudar as sociedades
indígenas que viviam no Brasil antes da chegada dos portugueses?
- Eu sempre gostei muito de história e desde muito criança tinha uma
curiosidade imensa em entender como era a trajetória histórica do Brasil antes
da chegada dos portugueses. Sempre gostei também de viajar e
ir para o mato. Acho que a curiosidade e a vontade de viajar
me ajudaram.
Quantas pessoas lá viviam antes da chegada dos
portugueses e como era a rotina deles?
- Ninguém sabe ao certo quantas pessoas moravam na
Amazônia antes da chegada dos portugueses. Os arqueólogos trabalham com a
hipótese de que cerca de 5,5 milhões de pessoas viviam em toda a Amazônia no
início do século XVI. Há, no entanto, regiões imensas da bacia Amazônica, como
os vales dos rios Javari, Juruá, Japurá, a serra do Tumucumaque, o Norte do
Mato Grosso, só pra citar algumas áreas, que são virtualmente desconhecidas
pela arqueologia. Por outro lado, nos locais onde pesquisas mais sistemáticas foram realizadas, como na região de Santarém ou no litoral do
Amapá, há bons elementos para sustentar a hipótese de que algumas partes da
Amazônia eram densamente ocupadas no século XVI.
Como é a rotina do trabalho?
- Varia muito de caso a caso. Estou no campo agora
(no momento da entrevista) em um local perto de Porto Velho com uma equipe
pequena de cinco pessoas, mas já coordenei escavações com mais de cinquenta
pessoas em um único sítio. É comum que sítios arqueológicos na Amazônia sejam
muito grandes, com dezenas de hectares de área e camadas espessas de materiais
enterrados. Para trabalhar nesses grandes sítios, são necessárias grandes
equipes, o que custa caro. Coordenar um grupo tão numeroso em campo pode ser um
pesadelo logístico, já que todos têm que ser alimentados e hospedados, seja em
hotéis, pousadas ou acampamentos.
Quais foram as principais descobertas ao longo dos
anos?
- Não sei se fiz alguma grande descoberta, mas
creio que contribuí para o entendimento da história de formação dos solos
extremamente férteis conhecidos como terras pretas, que são típicos da
Amazônia. Esses solos, além de férteis, têm uma grande estabilidade, o que faz
com que mantenham seus nutrientes mesmo sob condições extremas de erosão.
As informações obtidas sobre as sociedades
indígenas que viviam na Amazônia antes da chegada dos portugueses dizem algo
sobre o país ou sobre nossa colonização?
- Toda essa noção de diversidade é absolutamente
oposta ao que se tem oferecido como proposta para as formas contemporâneas de
ocupação da Amazônia: a monocultura, criação extensiva de gado, geração de
energia e exploração mineral. Todas essas atividades, aparentemente complexas,
são de fato simplificadoras porque reduzem a um número pequeno toda a imensa
quantidade de variáveis culturais e biológicas que compõem os sistemas
socioambientais tradicionais amazônicos. Não estou obviamente propondo que
voltemos a viver como no século XIX, mas me parece muito limitante o que temos
tido a capacidade de oferecer. A maior característica dos trópicos é a
Biodiversidade na natureza. Cientistas europeus que estiveram na Amazônia nos
séculos passados se impressionaram com a quantidade de formas de vida distintas
que constituíram, preservadas em cerâmicas elaboradas, aterros geométricos,
canais, alinhamentos de pedras etc.
Você diz que as populações prosperavam sem recorrer
à agricultura intensiva e ao desmatamento. Pretende criar um debate ambiental
sobre o assunto?
- A natureza que queremos preservar intocada – um
mito romântico urbano – já foi modificada no passado. Para um arqueólogo, a presença
humana contemporânea nesses locais contribui para a manutenção da diversidade
biológica através do manejo. É o caso, por exemplo, dos castanhais, cuja
disseminação no passado foi resultado da atividade humana. Castanhais e terras
pretas são recursos naturais que têm uma origem cultural. É óbvio, no entanto,
que isso só ocorre e pode ocorrer através de formas de ocupação baseadas na
exploração diversificada de recursos e não na monocultura.
O que ainda pretende encontrar e/ou descobrir sobre
estas sociedades?
- Eu tenho muito interesse em entender como foi o
estabelecimento da vida sedentária naAmazônia há cerca de cinco mil anos atrás,
porque esse processo ocorreu aparentemente só em algumas áreas e não em outras
e é por isso que tenho me dedicado à pesquisa na região do alto Rio Madeira, em
Rondônia.
As obras de usinas Hidrelétricas na bacia do Rio
Amazonas ou outras ações neste sentido podem impactar os sítios arqueológicos?
- Não só podem, como têm impactado. E o pior é que
a destruição do patrimônio arqueológico é definitiva. Não tem mais retorno. Ao
contrário de Ecossistemas, que podem, embora sob altos custos, ser
reconstituídos, sítios arqueológicos, uma vez destruídos, desaparecem para
sempre. A destruição do patrimônio arqueológico é uma tragédia comparável, por
exemplo, ao desaparecimento de uma língua indígena.
Eduardo Neves - Professor da USP