A ‘Amazônia mineira’
Biólogo encontra vestígios da ‘Amazônia mineira’
Pistas de
30 milhões de anos indicam que a região de Gandarela e Fonseca já foi mais
quente e úmida .
Texto: ALESSANDRO
SILVA
Fotos: Antonio Scarpinetti
Reprodução/Divulgação
Edição de
Imagens: Diana Melo
Para quem
conhece o interior “montanhoso” de Minas Gerais, onde a temperatura é amena,
até faz frio, fica difícil imaginar uma floresta quente e úmida ali, com
características parecidas às da Amazônia ou da Mata Atlântica. Uma pesquisa
realizada na Unicamp, no Instituto de Geociências (IG), analisou fósseis de
plantas que existiram no centro-sul do Estado, para reconstruir como era o
clima da região há cerca de 30 milhões de anos. Pois a “Amazônia mineira” que
existiu ali, que não é a floresta Amazônica de hoje, mas uma ancestral da Mata
Atlântica, pode ter registrado temperatura média anual de até 28º C e grande
concentração de chuvas.
A constatação faz parte da tese de doutorado do
biólogo Jean Carlo Mari Fanton, realizada na área de paleobotânica sob a
orientação da professora Fresia Soledad Ricardi Torres Branco, na pós-graduação
do Instituto de Geociências da Unicamp, com financiamento da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Paleobotânica é uma das subdivisões
da paleontologia, voltada ao estudo dos fósseis de plantas.
Durante a pesquisa, foram analisados 64 fósseis
de folhas de 25 tipos diferentes de plantas angiospermas (plantas com sementes
protegidas por frutos) da região das bacias de Gandarela e Fonseca (veja mapa
nesta página), entre as cidades de Ouro Preto, Mariana e Belo Horizonte, perto
da Serra do Caraça. O material faz parte dos acervos do Museu de Ciências da
Terra, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM-RJ), e do
Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mas
também foram realizadas novas coletas de fósseis na região estudada. As
análises foram realizadas com o apoio de equipamentos do IG, em Campinas.
Trata-se de uma região com potencial
paleontológico e ainda pouco estudada, explica o autor, ao justificar a escolha
da área para o trabalho de doutorado. As folhas fósseis ficaram preservadas em
depósitos de rios e lagos, resultado de um processo especial e natural de
preservação que só ocorre sob determinadas condições. Durante as décadas de 30,
60 e 90, foram realizados trabalhos nessa localidade, o que resultou na coleta
dos principais fósseis considerados para a pesquisa. “Esse tipo de estudo é
importante para conseguir entender o nosso clima de hoje em dia e tentar fazer
previsões, cenários futuros, sobre as mudanças climáticas. Esta discussão é
pertinente pois a humanidade está queimando combustíveis fósseis em um ritmo
acelerado, sem conhecer muito bem as consequências deste aumento dos gases de
efeito estufa na atmosfera. Fazemos isso por nossa própria conta e risco.”
O biólogo escolheu estudar as angiospermas porque
“várias famílias deste grupo estão associadas a condições específicas,
tornando-as bons indicadores climáticos, como é o caso das famílias tropicais”.
As angiospermas formam hoje o maior grupo de plantas, com mais de 250 mil
espécies estimadas, vivendo em todos os tipos de ambientes. Mas a sua maior
diversidade é encontrada justamente nas florestas da região tropical.
PISTAS
Há 30 milhões de anos (na transição da época do
Eoceno para o Oligoceno), a disposição dos continentes era outra (esqueça o
mapa que está na sua cabeça): a Cordilheira dos Andes estava se levantando
(soerguendo), importantes rios corriam para o Oceano Pacífico, as Américas do
Norte e do Sul estavam separadas (o istmo do Panamá ainda não existia), não havia
tanto gelo nos polos, o mar avançava sobre regiões do Norte e Nordeste do
Brasil e a Antártica tinha acabado de se desconectar da América do Sul “A
dinâmica do clima era diferente naquela época”, explica o biólogo. Além disso,
havia grande concentração na atmosfera de gás carbônico (CO2), resultado da
intensa atividade tectônica daquele período.
Os fósseis coletados foram analisados com
estereomicroscópios e microscópios. Os detalhes das imagens (veja ao lado)
impressionam. É possível ver a cutícula das folhas: glândulas e pelos, por
exemplo. Verdadeiros “carimbos” e “impressões” foram deixados nas rochas,
revelando, em detalhes, a morfologia da epiderme, além da forma de suas folhas.
“A estrutura epidérmica auxilia a entender o ambiente no qual a planta habitou.
As formas encontradas foram moldadas pela seleção natural, para que a espécie
vivesse o melhor possível naquele ambiente”, explica o autor da pesquisa.
No caso da pesquisa realizada na Unicamp, a
existência de folhas grandes e largas, com ápice estreito e alongado, indica
que chovia muito na região. A análise decorre da comparação com espécies das
mesmas famílias e que existem hoje – ao longo da evolução, as formas e
estruturas mais vantajosas foram sendo selecionadas. Em florestas tropicais úmidas,
por exemplo, as plantas têm folhas em formato de “pingadeiras” para conduzir as
gotas de água até o solo, para serem usadas depois, diferentemente do que
acontece com plantas de regiões mais frias, como tundras.
Na pesquisa, o biólogo analisou o tipo morfológico
das folhas, as nervuras encontradas, entre outros elementos, para identificar a
família à qual pertenceram e, para estimar as temperaturas da época, utilizou a
análise da margem foliar, comparando essas folhas fósseis com as folhas de
outras espécies de angiospermas semelhantes, que existem em dada localidade
conforme algumas condições específicas de temperatura.
ANCESTRAIS
Embora as plantas do passado guardem diferenças
em relação às de hoje, elas compartilham ancestrais com várias espécies que atualmente
povoam a Mata Atlântica, das famílias das mirtáceas (como as jabuticabeiras e
as goiabeiras) e das leguminosas (como o guapuruvu e o pau-brasil), entre
outras. “Provavelmente, tínhamos ali em Minas Gerais uma floresta sempre verde,
parecida com a floresta Amazônica, ou com a floresta atlântica tropical
ombrófila que temos aqui na metade norte do Brasil, em condições quentes e
úmidas”, afirma o biólogo.
Com a elevação de parte do território brasileiro,
entre as transformações registradas ao longo de milhares de anos, a região
centro-sul do Estado de Minas Gerais ficou mais fria e menos úmida – surgiram
serras e cerrados. Hoje, a média anual de temperatura ali varia de 17 a 22o C,
bem abaixo da possível média de 28o de 30 milhões de anos atrás, de acordo com
o estudo da Unicamp. “Naquela época, provavelmente, existiram florestas
tropicais úmidas na região Sudeste. Isso pelo tipo de folhas que analisei, do
mesmo tipo morfológico que encontramos na região Amazônica. Não era a Amazônia
moderna, mas sim uma floresta com características ambientais semelhantes, em
outra região do país, e precursora da atual Mata Atlântica”, explica o autor da
tese.
Segundo a Paleobotânica, o registro mais antigo
de angiospermas é de 140 milhões de anos atrás, quando ainda os dinossauros e
as gimnospermas (plantas com semente desprotegida, como as coníferas) reinavam
absolutos na Terra. Somente entre 100 e 60 milhões de anos atrás é que as
angiospermas (com os mamíferos) passaram a dominar a maioria dos ambientes. Não
é de hoje que elas ajudam pesquisadores a “viajar no tempo” em busca de pistas
e evidências sobre as mudanças climáticas ocorridas no planeta. Por exemplo, a
localização de vestígios de uma floresta em uma área, hoje, desértica, pode
ajudar a avaliar as dinâmicas de transformação que ocorreram naquela região há
milhões de anos, alterando drasticamente o cenário.
PublicaçãoTese: “Reconstruindo as florestas tropicais úmidas do Eoceno-Oligoceno do sudeste do Brasil (bacias de Fonseca e Gandarela, Minas Gerais) com folhas de Fabaceae, Myrtaceae e outras angiospermas: origens da Mata Atlântica”
Autor: Jean Carlo Mari Fanton
Orientadora: Fresia Soledad Ricardi Torres Branco
Unidade: Instituto de Geociências (IG)
Financiamento: Fapesp
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Fonte: